Resposta curta: óbvio que não. Em um evento público, a entrada é liberada, e todos serão bem-vindos. Jovens de perucas coloridas e props gigantes de MDF são as últimas pessoas do mundo a julgar as outras pelas aparências.
Resposta longa: como todos que já estudaram marketing sabem, “todo mundo” não é um público alvo. Em um sentido literal, é evidente que convenções de anime, games e quadrinhos são abertas a qualquer um. Porém, na prática, estaria o estereótipo de que cultura nerd é coisa de adolescente de fato ultrapassado?
Quantos anos têm os nerds?
Os promovedores da cultura geek são apressados em afirmar que o cliché já deixou de valer há algum tempo. A Anime Friends, mais famoso evento de anime do país, teve sua primeira edição em 2003. Um otaku que tivesse 16 anos ao participar da convenção estaria, hoje, com 28. Sob qualquer definição, ele é ainda um jovem, embora não exatamente dentro do perfil “rato de porão” da mídia moralista anti-nerd dos anos 1990. Basta uma folhada na Forbes para ver que há CEOs que ganharam seu primeiro milhão com muito menos.
Essa estimativa que tirei da cartola parte da premissa adotada por vários defensores de fandoms: otakus e gamers “crescem” com o hobby e mantém seus interesses por toda a vida. Um nerd, segundo esse raciocínio, jamais deixa de ser nerd: ele um dia se torna adulto, envelhece e passa a “sabedoria” para as gerações seguintes. Os trekkies e fissurados por Star Wars estariam aí para provar. Essas fanbases, firmes e fortes há mais de 40 anos, continuam marcando presença na cena geek, com divulgadores que não escondem os cabelos grisalhos.
O problema é que essa conclusão não se encaixa muito bem nas estatísticas, ao menos não para tudo. A Eletronic Software Association (ESA), órgão norte-americano que promove a cultura de games, anunciou com o maior orgulho em seu último relatório que a idade média do gamer em 2014 foi de 35 anos. Porém, esse dado (como 80% do panfleto, diga-se de passagem) é fruto de uma maquiagem estatística: para a ESA, qualquer um que tenha interagido com qualquer espécie de jogo eletrônico é um “gamer”. O adulto ou idoso que instalou casualmente Angry Birds ou 2048 em seu smartphone para jogar na fila da lotérica passa a ser considerado um fã em pé de igualdade com um competidor profissional de Dota 2. Assim, a estatística é “puxada” para cima. Não é exatamente a galera que temos em mente quando pensamos nos fãs de Star Trek.
Da mesma forma, uma pesquisa feita pela San Diego Comic Con (SDCC) ano passado concluiu que pouco mais de 36% da fanbase de quadrinhos possui mais de 30 anos. Um número significativo, claro, mas longe de provar a “mudança de paradigma” que advogam os entusiastas. No entanto, a pesquisa foi feita com base em dados extraídos do Facebook, então é possível supor que o levantamento tenha privilegiado aqueles que mais usam a plataforma: jovens, em sua maioria.
Claro, essas são todas estimativas de fanbases. E em relação àqueles que vão de fato às convenções?
‘Con-goers’ e cosplayers
Aqui, a coisa parece mudar. Um levantamento da Eventbrite do ano passado concluiu que pessoas com idade entre 30-49 anos são o grupo etário mais numeroso nas convenções americanas (38% do público). Somados ao pessoal de 50 para cima, totalizam 45% dos participantes. Entre os cosplayers, a participação de veteranos é ainda maior: outra pesquisa, também da Eventbrite e anunciada esse ano na SDCC, constatou que 60% daqueles que participam a caráter estão na faixa dos 23-39. Um belo número, que parece dar crédito aos críticos do estereótipo. Pelo menos nos EUA.
No Brasil, entretanto, o cenário parece ser outro. Levantamentos do tipo são mais raros, mas um estudo de caso sobre a Anime Friends de 2011 afirmou que a esmagadora maioria dos participantes têm entre 17 e 25 anos de idade.
O que explica a diferença? De um lado, o estudo brasileiro partiu de uma amostra bem mais reduzida, então é capaz de que haja aí uma certa margem de distorção. Porém, em um nível fundamental, é importante não esquecermos de que as convenções brasileiras e americanas têm histórias bem distintas.
O levantamento da Eventbrite determinou que a maioria dos participantes vai aos eventos por causa do conteúdo de ficção científica e fantasia. Animes e mangá, o feijão com arroz da Anime Friends e outros eventos populares do gênero, aparecem apenas na quinta posição, atrás de games, cinema/TV e quadrinhos ocidentais.
Estamos lidando não com uma celebração da cultura otaku (ou da mistureba globalizada que hoje chamados de “cultura geek”), mas da velha tradição das convenções americanas de ficção científica, que acontecem há mais de 70 anos, muito antes da invenção dos consoles e da febre da cultura japonesa a partir dos anos 1980. É bastante óbvio que eventos da geração de nossos avós ou bisavós tenderão a atrair um público mais velho.
Há muito pela frente
Seja como for, nada garante que a demografia se mantenha a mesma nas próximas décadas. Pelo contrário, há indícios de que uma mudança já começa a acontecer.
A edição atual da Anime Friends chegou a incluir uma categoria infantil de cosplays, para que otakus que já tenham filhos possam introduzir seus pequenos aos hobbies de que tanto gostam. A “mira” em um público mais velho aparece também em alguns dos estandes: ao menos uma das lojas participantes vendia joias inspiradas em games e animes. Pedida estranha para adolescentes, para quem bijouteria geralmente dá para o gasto, mas ideal para noivos, casais ou solteiros na faixa etária em que aparência se torna uma coisa séria e gastar R$150 em um pedaço de metal já não soa absurdo. (Aos leitores jovens: protestar é inútil; esse dia cedo ou tarde chegará).
Contrariando a sabedoria popular, não acredito que esse público sênior seja apenas de nerds veteranos. A elevação do geek ao nível “mainstream” provocou uma explosão de mídias acessíveis, “fáceis” de serem apreciadas por quem não manja nada do assunto. Aprender Gurps e Magic: The Gathering leva tempo e muito esforço. Inteirar-se em novos lançamentos dos games implica quase sempre na compra de hardwares caros. Mesmo animes, se disponíveis gratuitamente em sites de streaming como o Crunchyroll, às vezes são tão autorreferentes que assustam os que não estão acostumados.
Em contrapartida, qualquer um com acesso à internet pode assistir aos Vingadores ou ao seriado Daredevil. Entre o univeros cinemático da Marvel, hits como Harry Potter e Jogos Vorazes, séries como Game of Thrones e Breaking Bad e homenagens nostálgicas no estilo de Lego Movie e Detona Ralph, há todo um rol de interesses para agradar ao “novato” que resolva acompanhar seus familiares mais jovens.
Obviamente, não podemos esquecer de que as convenções nerds, como todas as coisas, fazem parte de uma cultura em mutação. O que acontecerá daqui a 20, 10 ou mesmo 5 anos só o tempo dirá. Eu, pelo menos, espero estar nelas para ver.
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