[arrow]
- Vinicius Marino
Deus salsicha está te julgando.
Eis que Girls’ Last Tour chega no episódio 4 – e não pára de nos surpreender. Passamos todo o episódio passado falando de visões alternativas de sociedade e esquecemos do mais importante: a espiritualidade.
Todo povo precisa de algo para acreditar. Não falo só de religião, de algum princípio maior, um ideal de como o mundo deveria ser. Algo para responder às questões metafísicas da vida.
Não sei bem o que pensar da sociedade morta de Girls’ Last Tour, no entanto. O que vocês acharam do que nos foi mostrado?
- Fábio “Mexicano”
Eu achei legal que revelaram (e como revelaram) em que ano estão: 3230. Aparece no visor da câmera fotográfica. Essa distância no tempo parece verossímil considerando todas as diferenças que já notamos desse mundo para o nosso.
Também sabemos quando estiveram por lá os responsáveis pelo máximo desenvolvimento que a humanidade já atingiu: cerca de 400 anos atrás, quando a humanidade de então, adoradores da Lego Virgem Maria e seu panteão de Deuses Salsichas, construiu o templo que Chito e Yuuri visitaram.
A cidade que cruzam é também a primeira a exibir arquitetura diferente de tudo o que já vimos – mas em dado momento, quando estão se aproximando do templo, passam por uma grande região com arquitetura semelhante à nossa, atual.
Não levei meio segundo para racionalizar isso: o templo foi construído na região central da cidade, que certamente é mais antiga.
Como há 100 anos, segundo o episódio anterior, já não sabiam sequer como operar os antigos elevadores centrais dos grandes pilares, é de se supor que esses últimos séculos após o apogeu foram um ocaso vertiginoso e veloz. Alguma calamidade muito grande aconteceu. Talvez o apego à espiritualidade já fizesse parte desse ocaso, como uma forma desesperada do povo de então para lidar com o futuro que deveria parecer sinistro. - Vinicius Marino
É uma possibilidade. E é possível que os ícones-salsicha sejam uma referência às estátuas da Ilha de Páscoa, que, segundo a lenda, também foram construídas por uma civilização a meio-caminho do colapso (embora esta lenda tenha sido desmentida)
- Fábio “Mexicano”
Mesmo que não seja o caso dos moais, o autor ainda pode ter se inspirado pela lenda em torno deles, faria bastante sentido. E não quero falar muito porque já falei demais, mas nossas cidades ostentam nossos símbolos religiosos tanto assim? Como estou obviamente acostumado com a minha própria cultura, não percebo. Além disso, o episódio fez questão de destacar cada salsicha no caminho das protagonistas. - Vinicius Marino
Cidades antigas ostentam, pois no passado a própria noção de “religião” era indissociável de “sociedade”. Kyoto no Japão é um caso clássico: há um templo por esquina.
Hoje em dia há menos, mas ainda cultivamos uma “monumentalidade cívica”, por falta de termo melhor. Símbolos do governo, memoriais, artefatos de apoio a um regime/ideia política, coisa do tipo.
Não é EXATAMENTE o que o anime quis passar, mas é difícil distinguir entre uma coisa e outra depois do apocalipse. Por exemplo: aposto que não serão poucos os arqueólogos do futuro que tomarão pixações de rua como mensagens votivas.
Voltando ao mundo do anime, o fato das salsichas estarem por todo o canto pode assinalar que foram plantados de forma desordenada, pelas próprias pessoas. Nesse caso, seriam mais parecidos com os santuários de kami no Japão que ícones cristãos plantados por uma Igreja organizada. (apesar de que a “trindade” do templo me pareceu bem abraâmica).
- Diego
Foi um ótimo episódio, tocando de forma bem interessante na questão da religiosidade.
Mas uma coisa que me intrigou foi o quanto essas meninas desconhecem. Não sabem o que é queijo, mal sabem o que é um deus, mas mesmo assim sabem cozinhar um peixe e pilotar aquele veículo enorme… Me faz pensar em que tipo de mundo elas cresceram. Eu duvido muito que isso será explorado, mas eu realmente queria mais informações sobre isso.
O desconhecimento seletivo delas está começando a pedir demais da minha suspensão de descrença, francamente. E como um nitpicking menor: alguém ai entendeu de onde vem a luz ou porque ela só acendeu naquela hora em específico? - Gato de Ulthar
Mais um episódio interessante. O anime não para de surpreender. Eu fiquei muito intrigado quando os deuses salsichas começaram a pipocar na cidade. Vocês perceberam a trilha sonora assustadora quando elas atropelaram e quebraram umas das salsichas? Pensei que algo mais sério poderia acontecer com elas.
Este episódio mostrou bem como os símbolos religiosos do passado podem nos ajudar a conhecer uma cultura perdida, pois em virtude do descobrimento do templo, elas levantaram várias informações importantes. Eu achei o deus salsicha parecido com uma criatura do jogo Yume Nikki:
- Fábio “Mexicano”
Eu percebi duas coisas quando elas bateram no Deus Salsicha: primeiro, as previsões negativas da abertura começaram a se cumprir, não são só efeito cômico. E embora não tenha tido consequência nenhuma no episódio (sendo tão pesado quanto pareciam ser, elas deveriam ter morrido esmagadas, mas sequer desmaiaram), começou em seguida a trilha sonora sinistra de fundo. Que me lembra a série de escape games point & click Submachine, que eu recomendo muito!
Sobre a tecnologia do futuro e a luz misteriosa, bem: é tecnologia do futuro. Há 100 anos ninguém a entendia, porque nós, quase um milênio no passado, deveríamos entender? - Diego
Pra não ficar tão na cara que as luzes são controladas pela mão mágica do roteirista Mas numa nota mais positiva, queria aproveitar pra dizer como a trilha sonora estava ótima nesse episódio. Adorei a insert song, inclusive. - Vinicius Marino
Os deuses-salsicha de fato são meio assustadores, e nisso a trilha sonora dá uma grande ajuda. Gostei particularmente de que eles possuíam pequenas diferenças entre si: uma folhinha na cabeça aqui, um halo de metal ali. Eles me lembraram de estátuas de divindades clássicas, geralmente muito parecidas, diferenciadas pelos objetos que carregavam.
- Fábio “Mexicano”
Eles serem ligeiramente diferentes suporta a hipótese de que foram construídos por pessoas diferentes, em momentos diferentes, por motivos diferentes. Todos compartilhavam, porém, a mesma crença básica. - Vinicius Marino
Sim, podem ser “santos”, ou algo como os kami do shintoísmo. Meio estranho ver esse tipo de imagem ao lado de um templo que parece uma catedral. Mas, até aí, esse é um desenho japonês, e o Japão é o país por excelência em que igrejas dividem espaços com santuários shintoístas, templos budistas e toda espécie de “nova religião” misturando as três coisas. - Fábio “Mexicano”
Happy Science é a melhor religião e o Gato de Ulthar pode provar.
- Gato de Ulthar
Verdade, Happy Science é a religião mais divertida dos últimos tempos, fazendo sua mistureba de santos do passado com naves espaciais com capacidade de viajar no tempo. O que você diria se pudesse ver Jesus e Buda no mesmo dia? Sem falar nos animes patrocinados pela happy Science, que são bem produzidos e não devem em nada aos animes atuais.
Mas voltando aos deuses salsichas deste animes. Quero comentar sobre a Catedral. Ela parece uma gigantesca caixa de sapato. Deuses salsichas em uma caixa de sapato gigantes. Uma religião interessantíssima.
O fato do templo ter luz própria, faz a questão da água quente do segundo episódio fazer um pouquinho de mais sentido. - Vinicius Marino
É a famosa terceira lei de Arthur C. Clarke: qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. - Fábio “Mexicano”
Embora aquela usina elétrica (eu acho que era uma usina elétrica térmica) tinha uma placa em “japonês arcaico” (ou seja, o nosso japonês), além de estar no nível da cidade em que basicamente tudo era reconhecível.
Alguma tecnologia futurista de automação deve tê-la mantido funcionando sozinha por muito tempo, mas a usina em si provavelmente é só um pouco mais avançada do que o que já existe hoje em dia.
Definitivamente não é o caso da luz do templo que eu não consigo entender e o anime nem tenta retratá-la de alguma forma que eu possa especular. É só “magia” (tecnologia suficientemente avançada) mesmo.
Mas sim, foi exatamente nisso que eu pensei também quando o Diego pareceu frustrado com as luzes - Diego
Imersão é uma coisa estranha, diferentes pessoas vão ter diferentes níveis de “tolerância” para o que quebra ou não sua imersão, e as vezes rejeitam coisas pequenas enquanto aceitam outras bem mais bizarras. Nem pensei em questionar a água quente, mas as luzes me incomodaram, vai entender kkkk. - Vinicius Marino
Voltando à seriedade, parece que nossas heroínas estão crescendo como pessoas, vocês não acham? Na sua opinião, elas são as mesmas meninas que brigaram por um chocolate no primeiro episódio? - Fábio “Mexicano”
A graça de um slice of life é que … eu não sei? Podem muito bem ser as mesmas sim, nós é que não as conhecíamos bem o bastante naquele episódio. Elas passavam fome então, não se esqueça de colocar isso na equação. Agora têm rações de sabores sortidos. Que vai acabar em um mês, e quero ver isso. - Gato de Ulthar
Não consegui perceber nenhuma evolução delas, acho bem capaz que a Yuuri possa repetir uma daquelas suas sandices. Mesmo eu não vendo uma evolução clara, creio que o anime esteja sendo eficiente em enriquecer o modo pelo qual nós conhecemos o relacionamento das duas. Após estes quatro episódios, eu acho que a Yuuri nunca seria capaz de atirar na Chi. - Fábio “Mexicano”
Sim, acho que é isso, temos essa impressão de evolução porque somos nós que estamos evoluindo o nosso entendimento delas. - Diego
Vou concordar com os demais e dizer que acho cedo demais para falar em evolução dessas personagens, se é que chegaremos a ter alguma nesse curto espaço de 12 (?) episódios que o anime deve durar. - Fábio “Mexicano”
Olha, o quarto episódio não costuma ser “cedo demais” para começar a ser visível a evolução de personagens em animes de 12 episódios. É um terço da história, pô! A não ser que o anime tenha muitos personagens, aí normalmente ele está terminando sua fase de apresentação deles por essa altura. Não é o caso de Girls’ Last Tour. Não só não há muitos personagens, como parece não haver muitas pessoas no mundo inteiro, hahaha! - Diego
Você esquece que o anime é baseado em um mangá. Um terço da história do anime não significa muita coisa a depender do número dos volumes do mangá. - Gato de Ulthar
Além disso, eu acho difícil elas terem como evoluir consideravelmente mesmo que fossem 10 episódios. Pode ser impressão minha, mas acho que se passou pouco tempo (na realidade delas), entre o primeiro e o quarto episódio. É um lapso de tempo bem curto, pode ser que toda a história do anime se passe em poucos meses. - Fábio “Mexicano”
Acho que se passaram meses. Era o auge do inverno no começo da história, e agora o clima está bem mais agradável. E sim, em o detalhe do mangá, mas né, seguir o mangá à risca não é inteligente sempre.
Se você só tem 12 episódios, os personagens vão evoluir e isso é importante, você não vai gastar um terço do anime sem sequer começar isso. Acho que é só porque é slice of life e não tem desenvolvimento no sentido normal que esperamos, mesmo.
Claro, elas podem eventualmente crescer, aprender um pouco mais sobre o mundo e com isso mudar. Mas o ritmo é outro, isso, se e quando acontecer, será bem devagar, natural. - Vinicius Marino
De um ponto de vista metanarrativo, acho que não faz muita diferente. Há personagens que são apresentadas do “começo”, de maneira a acompanharmos seu crescimento. E há aquelas contadas a partir do “fim”: quebra-cabeças em forma de pessoas, que completamos a cada cena que passa. Gosto muito deste segundo tipo de enredo, embora não seja bem o caso aqui.
Quando à Chito e à Yuuri especificamente, estou gostando de ver a ternura que se desenvolve entre elas. No episódio passado, realmente pensei que um conflito ou novo encontro pudesse vir a separá-las. Hoje, não tenho mais tanta certeza. É bonito ver como as suas se completam: em personalidade, habilidades, forças e fraquezas. - Fábio “Mexicano”
Curioso você ter usado a palavra “ternura”. É uma palavra por tudo o que eu sei pouco utilizada, e no entanto hoje mesmo eu escrevi meu artigo sobre Girls’ Last Tour, o qual pelo horário em que vejo que fez seu comentário você com certeza não havia lido ainda, e também cravei lá: ternura. Parece que não há mesmo palavra que melhor descreva a relação delas, hein? - Diego
A pergunta é o quanto elas próprias reconhecem isso. A Yuu parece a que mais entende a sua ternura pela Chi, mas esta talvez ainda não tenha percebido o quanto se importa com a Yuu… ou ao menos é a impressão que eu tenho na dinâmica delas rs - Fábio “Mexicano”
Acho que a Chi é mais reservada e rabugenta, só isso. - Gato de Ulthar
É bonito como os sentimentos delas não se resumem à ternura, pois possuem uma riqueza de espécies de emoções distintas, que culminam em momentos curiosos, como o da arma apontada para a Chi no primeiro episódio.
O medo, a necessidade de contato humano, os questionamentos sobre a morte, tudo isso influi sobre o quebra-cabeça que é a relação entre Chi e Yuuri.
Outro ponto interessante é que nem mesmo elas entendem direito o que sentem, parece que a ingenuidade delas não se dá apenas no âmbito prático do dia a dia, mas em todos os aspectos tanto materiais como emocionais. - Fábio “Mexicano”
O que é natural, crianças não são emocionalmente maduras mesmo. - Vinicius Marino
E isso é o mais impressionante, não é?
Os animes são frequentemente criticado por serem autorreferente: fazerem personagens que são caricaturas, menos pessoas reais que conjuntos de estereótipos. O próprio Miyazaki fez uma crítica famosa nesse sentido.
Girls’ Last Tour não podia ser mais diferente que um filme do Studio Ghibli, muito menos uma obra naturalista live-action. Mesmo assim, do alto da sua abstração, ele consegue nos trazer relações inconfundivelmente humanas.
Espero que, daqui para a frente, o anime continue acertando nessas notas. E que você, leitor, o curta tanto quanto nós estamos curtindo.
Até a próxima!
[/arrow]