Existem séries que o tempo maltrata. Outras, como um vinho de guarda, parecem só melhorar com o tempo.
Princess Tutu, terminada há 15 anos, sem dúvida pertence ao segundo grupo. Criado por Ikuko Ito e Junichi Satou, dois veteranos de Sailor Moon, o anime se tornou um clássico cult em 2007, quando inaugurou um dos memes mais famosos da internet.
Mesmo assim, a produção nunca alçou à fama de mainstream. Subversão de garotas mágicas de uma era pré-Madoka, Princess Tutu combinou a lore arcana do ballet com uma fábula sobre storytelling, livre-arbítrio e nosso lugar no mundo.
Não é à toa, portanto, que algumas das suas peculiaridades chamam a atenção até os dias de hoje. Seja você um novato da série ou um daqueles fãs que a mantém no coração, veja abaixo três (dentre muitos) motivos que a tornaram tão especial.
1) Princess Tutu se passa na cidade de Attack on Titan
Não, você não leu isso errado. Essa fábula meiga sobre ballet e contos de fada se passa na mesmíssima cidade de Attack on Titan. Especificamente, o distrito Shiganshina, onde a aventura de Hajime Isayama começa.
E não, não quero dizer que Gold Crown é um outro nome para o lar de Eren, Mikasa e Armin. Mas os dois foram baseados no mesmo lugar, a cidadela murada de Nordlingen na região da Baviera, Alemanha.
O vilarejo real não tem titãs, e suas muralhas têm apenas 7 metros de altura. Mesmo assim, a inspiração foi confirmada pelo Hajime Isayama em um programa de TV japonês.
A referência não passou batida a fãs japoneses, que adicionaram a cidade à lista de destinos de turismo otaku, ao lado de Kamamura (Uta Kata), Chichibu (Ano hana, Kokosake), Oarai (Girls und Panzer) e Karatsu (Yuuri! On Ice, chamada de “Hasetsu” no anime).
Os livros de visitante da pequena cidade estão repletos de homenagens de japonesas acompanhadas de croquis do anime.
Muito antes de Attack on Titan, no entanto, Princess Tutu já havia transportado a cidadela às telas. E ao contrário de Shiganshina, Gold Crown, a cidade do anime, é uma recriação quase literal da aldeia alemã.
O diretor Junichi Satou não poupou sequer os detalhes mais específicos. No episódio 12 da série, a marionete Edel acha a passagem secreta ao Lago dos Cisnes em uma velha figura medieval.
A mesma figura (mas, infelizmente, não a passagem) pode ser visitadas em Nordlingen:
À primeira vista, esses dois animes têm muito pouco de comum. Se paramos para pensar, contudo, não é difícil enxergar como a cidadela serve em ambas feito uma luva.
Nordlingen é uma cidade perdida no tempo, com um visual medieval que lembra um país de contos de fada. E uma muralha que separa esse playground de turistas do mundo real que o cerca.
Nada mais apropriado para dois animes sobre pessoas vivendo uma vida de faz-de-contas, ignorantes das cordas que puxam e controlam sua realidade.
3) Todos os movimentos vêm do ballet. E não apenas os passos de dança
A segunda temporada de Princess Tutu abre com um sonho. Pata, nossa heroína, descobre que foi transformada em humana como sempre desejou. Não só isso, é chamada para dançar por Mytho, o garoto de seus olhos.
Tudo vai bem até que Mytho decide cruzar os braços com os punhos fechados. É o sinal para que Pata entenda que algo está muito errado.
Não seria a última vez que um gesto do príncipe sacudiria os caminhos da trama. No episódio 17, um Mytho já corrompido relembra o sentimento de amor e coloca as mãos na frente do peito.
Esses não são gestos quaisquer, como o próprio anime é rápido em nos lembrar. Os braços cruzados representam morte, enquanto que as mãos na frente do peito são o símbolo do amor.
Se você já dançou ballet ou costuma assistir a espetáculos, o que vou dizer a seguir não será nenhuma surpresa. Essas mímicas existem de verdade e formam uma espécie de linguagem oficial do ballet.
Os gestos que bailarinos fazem entre um passo e outro não são aleatórios. Tudo é parte de um vocabulário comum que permite que uma coreografia não só ilustre, mas conte histórias.
E por tudo, digo tudo mesmo. O gesto que Fêmio faz ao Prof. Gato durante seu “flerte”?
É a mímica para “casamento.”
O gesto que Princess Tutu faz com as mãos quando se transforma? Não é só uma referência a Sailor Moon. Aquela é a mímica de dança, que batem com suas palavras mágicas: “Dance comigo.”
Ballets do século XIX não eram apenas shows de dança. Eram espetáculos de várias horas que contavam com longos trechos dramáticos. Mímicas como essas foram criadas para ajudar os bailarinos a contar histórias sem palavras – algo superdifícil de se fazer, sobretudo quando se está exausto com uma perna erguida em arabesque.
Com o tempo, os ballets ficaram mais curtos e abstratos, e a mímica perdeu parte de seu espaço. Muitos sinais caíram em desuso, e as sequências dramáticas foram abreviadas ou cortadas de todo.
Mesmo assim, ela continua indispensável nas montagens de peças tradicionais. Em especial, para marcar uma virada brusca de enredo, como a morte, transformação ou catarse de uma personagem. Exatamente o papel que desempenham em Princess Tutu.
Mímicas não são desconhecidas, mas também não são o detalhe mais óbvio do mundo do ballet. E, certamente, não são o tipo de coisa que alguém que nunca experimentou uma sapatilha costuma saber.
Felizmente, isso não foi um problema para Junichi Satou e sua equipe.
4) Todo os criadores (inclusive os animadores!) tiveram de fazer aula de ballet.
Ikuko Ito, co-criadora de Princess Tutu, era uma grande fã de ballet. Infelizmente, é preciso mais do que gostar de dança para entender o que acontece com o corpo de uma bailarina em cena.
Para garantir que seu anime fizesse jus à beleza da arte, Ito e o diretor Satou contrataram um professor de dança para sentir na pele a dor de se usar ponta. Mais: exigiram que toda a equipe de animação participasse.
Quem conta a história é a própria animadora, em uma entrevista na Ushicon de Austin, em 2006. Não satisfeita em colocar a mão na massa, eles ainda gravaram imagens de seu professor em ação e as usaram de referência para as tomadas de dança.
O resultado valeu a pena. Princess Tutu não é só uma reimaginação criativa das fábulas do ballet, mas um dos animes mais fiéis aos movimentos da dança. As muitas cenas de treino – e, em especial, a primeira aula de ponta mostrada em um dos episódios – trarão memórias (dolorosas) de qualquer um que já tenha calçado uma sapatilha.
E para se ter um professor gato ou uma princesa corvo? Nesse caso, infelizmente, só se mudando para Gold Crown.
Como diz a própria série, “alegria àqueles que aceitarem seu destino; glória aqueles que o desafiarem.”
Comentários
Amei as curiosidades postas aqui, “Princess Tutu” é um anime que mexe muito com o ballet, contos de fadas e música clássica de forma majestral. Fui recomendada a este anos atrás,mas, só bem depois que tive acesso de toda a série e acho maravilhosa em seu estilo, personagens e trama; um dos melhores animes shoujos que conheci e é bom ver que tem pessoal que lembre. Fiquei um pouquinho espantada por usar o nome literal da protagonista, de resto, concordo que o tempo não fez a obra decair, ela fica melhor e mais acessível.
Tem resenha deste anime no Animecote, caso queira dar uma olhadinha.
Darei com certeza!
Quanto ao nome, essa foi a decisão da tradução oficial anglófona. Todos os nomes de animais foram traduzidos ao inglês (menos o da Krähe, que já está originalmente em alemão). Daí, por exemplo, a Arikuimi (アリクイ美) ter sido traduzida a “Anteaterina” – e, posteriormente, a “Tamanduarina” por alguns subbers brasileiros. Geralmente não curto esse tipo de escolha, mas nesse caso específico me pareceu apropriada.
Aliás, relendo o artigo com seu comentário em mente acabei de ver que esqueci de aplicar o mesmo critério ao Prof. Gato! Corrigido.
Achei engraçado pular do 1 para o 3. Por um momento voltei atrás pensando se tinha deixado algo passar despercebido. Kkkkkk
No mais, um belo trabalho. Me Interessei no anime, verei mais trade
Corrigido 🙂 Foi um erro de digitação