Você já deve­ ter ouvido falar do noh, o mais famoso e pomposo dos teatros japoneses.

Você já deve ter ouvido falar do noh, aquela ópera esquisita em que homenzarrões interpretam papéis femininos.

Você já deve ter ouvido falar do noh, cujas máscaras parecem saídas de um filme de terror.

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Como amante da cultura japonesa, eu já havia escutado as três coisas. O teatro noh, de fato, parece ter uma reputação ambivalente. Por um lado, é uma das artes mais luxuosas e tradicionais do Japão. Por outro, é vista como uma coisa meio démodé – quanto não completamente anacrônica.

Como cosplayer, tenho um enorme fascínio por máscaras. As de noh em particular, graças à escritora Fumiko Enchi, que escreveu um romance perturbador sobre o tema. Assim, não pude de deixar de conferir como é, realmente, o famigerado teatro.

Mas afinal, o que é o noh?

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Noh é um tipo de dramaturgia que envolve canto, dança e uso de máscaras. Ao contrário do kabuki, que preza pela extravagância, ou o rakugo, que dialoga com a experiência popular, o noh é extremamente codificado, tradicional e sisudo.

Isso não quer dizer que tenha se tornado apenas uma curiosidade de museu. Peças de noh geralmente falam de mortais assombrados por fantasmas, demônios ou deuses. Se você já se deparou com o famoso “terror japonês” (ou suas muitas paródias na cultura pop) saiba que ele já teve um pé no teatro noh.

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Paródia de assombração na série Midnight Diner do Netflix.

Embora grite “Nihon!” por todos os poros, o noh teve uma influência gigantesca na arte ocidental. Dramaturgos como Samuel Beckett, W.B. Yeats e Bertold Brecht basearam-se nele para escrever algumas de suas peças mais famosas.

Como o anime também é uma arte de performance, é óbvio que também paga homenagem ao gênero. Não só indiretamente, em muitos de seus roteiros, mas, às vezes, também diretamente.

Em Millenium Actress, por exemplo, a anciã que persegue a protagonista é ninguém menos que a Ryo no Onna: o fantasma de uma mulher destruída pelo sofrimento do amor.

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Na verdade, Ryo no Onna não é extaamente uma personagem, e sim uma máscara. Pode parecer estranho, mas no teatro noh as máscaras, de certa forma, têm vida própria.

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Embora haja muitas peças (e outras tanto têm sido escritas na modernidade), existe um número limitado de máscaras. Todos os papéis do noh se encaixam nestas categorias, que denotam não apenas aparência física, mas o próprio caráter da personagem.

Não são os papéis que vestem as máscaras; são as máscaras que vestem os papéis.

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Eu não precisei saber mais nada para decidir que o teatro noh era uma experiência que eu precisava viver. O que eu encontrei foi uma aventura tão sobrenatural quanto as histórias interpretadas no palco.

Ao longo desses artigos, eu narrei a vocês vários de meus passeios pelo Japão. Alguns mais turísticos, outros nem tanto. Nenhum deles, porém, foi mais exclusivo de japoneses do que esse.

O choque começou ao chegar no teatro. Nossa performance foi no Teatro Nacional de Noh em Tóquio, um prédio deslumbrante e moderno, verdadeira Sala São Paulo da dramaturgia nipônica.

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A pompa se refletia na indumentária. Foi o primeiro (e único) lugar no Japão em que encontrei japoneses (e não turistas) socialmente vestidos com kimonos.

Foi também o único lugar em que até mesmo o preço de algumas coisas na lojinha estava escrito em kanji (!). Por mais que a Vivian tenha tentado comprar o libretto, o staff simplesmente se recusou a nos vender: deu-nos apenas uma xérox em inglês do roteiro.

A diferença não é apenas estética. O libretto possui todos os diálogos da peça. Isso é importante porque o teatro noh, além de ser cantado em uma espécie de vibrato (como a ópera) é narrado em japonês antigo, que mesmo os nihonjin atuais não conseguem entender.

Felizmente, isso não significa que estrangeiros não podem curtir também. O Teatro Nacional de Noh possui telas na frente de cada assento, com legendas em japonês e inglês.

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O que rola no palco

O Noh é frequentemente chamado de “ópera japonesa”, mas essa comparação é enganosa. Ao contrário da arte de Wagner, peças de noh costumam ser curtas. Tão curtas, na verdade, que geralmente são acompanhadas de peças menores.

Para destilar o clima sisudo, as histórias são intercaladas com um teatro cômico, chamado de kyogen. O espírito é o mesmo do rakugo: uma espécie de “sitcom” da era Edo, descontraída e irreverente.

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A comparação não é gratuita: as duas artes se comunicam, ou passaram a se comunicar. Nos últimos anos, certas peças de rakugo foram adaptadas ao kyogen, encenadas por um grupo de atores.

Em Showa Genroku Rakugo Shinjuu, o escritor Eisuke Higuchi sugere salvar o rakugo mudando-o à imagem da modernidade. Quão surpreso ele ficaria ao saber que a comédia encontrou outro caminho para sobreviver: mudando os outros à sua própria imagem.

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Contudo, as peças noh são outro universo. Não existem cortinas: observamos os atores entrando e saindo do palco. Este é ligado aos bastidores por um longo corredor diagonal, que eles percorrem bem devagar para não estragar os figurinos. Uma mera montagem de cena pode levar vários minutos.

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Não existe, também, muita ação. Boa parte da história é narrada, seja por um protagonista, seja por um coro. As falas dizem respeito a questões existenciais, e os mesmos pontos são repetidos várias vezes.

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Jiutai, coro de uma peça Noh, ao fundo com kimonos pretos.

Pode parecer uma ladainha, mas eu adorei. Aos meus olhos enviesados de ocidental, o Noh me pareceu um teatro grego.

Tal como nas peças de Sófocles e Eurípides, existe um coro que ora situa a ação, ora nos narra os pensamentos das personagens. Tal como na Grécia, o noh costumava a ser interpretado só por homens, de onde as máscaras femininas. Até mesmo o kyogen lembra as peças de sátiros, interlúdios cômicos montados entre as tragédias.

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Performance de Orestéia, obra-prima de Ésquilo

Curiosamente, não acho que minha opinião seja popular mesmo no Japão. Na apresentação que assistimos, uma parte significativa do público dormiu durante a peça. Se pessoas que vestem kimono e se demovem ao melhor teatro de Tóquio não conseguem se manter acordadas no espetáculo, imagine o cidadão médio.

O noh, de fato, não é para todos. É, no entanto, uma arte inesquecível, que eu amaria experimentar de novo.

Seus fantasmas amargurados ficaram na minha cabeça – e não acho que sairão tão cedo.

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