Poucas animações dividem tanto seu público quanto Serial Experiments Lain.
O clássico cult de Yasuyuki Ueda dificilmente falha em causar uma impressão. Não, necessariamente, pelos mesmos motivos.
Na semana passada, meu colega Diego Gonçalves do É Só um Desenho recebeu Lain como sua indicação para a Corrente de Reviews 2016 do Anikenkai. Apesar da ótima análise, o texto deixa claro seu desconforto. Diego diz que Lain ocupa o hall da fama das séries “mindfuck“, vencendo com folga Evangelion, Utena ou mesmo Mawaru Penguindrum.
Conhecendo-o, posso até dizer que segurou sua língua. Não sem motivo. Se quem gosta de experimentalismo curte de pronto a vibe avant-garde de Lain, fãs de narrativas mais convencionais podem revirar os olhos. Seja por sua trilha sonora minimalista, seja em sua estrutura fragmentária, a obra-prima de Ueda parece gritar “too deep for you” a plenos pulmões.
Injusto, pois o anime é muito mais que isso. A despeito de seus defeitos, Lain faz todo o sentido, e suas eventuais confusões são perdoadas (quando não explicadas) dentro de seu propósito geral.
Não se trata de ser “adulto” ou “profundo”. O anime de Ueda é não apenas uma série antiga, mas também invoca um repertório de referências (visuais e intelectuais) que perdeu muito de sua relevância depois do ano 2000. Lain envelheceu mal.
Se você, como o Diego, não consegue se conformar com o que assistiu ou quer um incentivo para dar uma segunda chance à série, abaixo segue um pequeno primer com temas que facilitarão a experiência.
(Aviso: contém SPOILERS para Serial Experiments Lain)
1) Transhumanismo e o ‘Cérebro Global’
De início, Lain parece ser apenas uma fantasia sobre os primórdios da era digital. É apenas no episódio 6 que a série abre suas asas como ficção científica.
Após ser misteriosamente contatada por uma colega que cometeu suicídio, nossa protagonista, Lain Iwakura, começa a se interessar por computadores. Na medida em que se familiariza com o Wired – o equivalente da internet no anime – percebe que as fronteiras entre os mundos real e virtual parecem estar ruindo. Coisas estranhas começam a acontecer.
Muito estranhas.
Investigando os acontecimentos bizarros que testemunha ao seu redor, Lain se “encontra” virtualmente com o Prof. Hodgeson, idealizador de um experimento para estudar poderes sobrenaturais em humanos.
Hodgeson descobriu que temos habilidades psíquicas natas, que se perdem naturalmente com o passar do tempo. A partir de um dispositivo chamado KIDS, ele conseguiu coletar e amplificar os poderes de um grupo de crianças para manipular a realidade.
As ocorrências macabras com que Lain se depara sugerem que alguém colocou as mãos na pesquisa. Pior: eles parecem ter aprimorado a tecnologia, pois conseguem manipular o mundo sem o auxílio da KIDS.
A ideia de transcender os limites do nosso corpo não é nem um pouco nova. O princípio de que há algo de científico por trás daquilo que chamamos de “magia” é uma das convenções mais tradicionais da ficção científica.
Não que a própria vida real não tenha, aqui e ali, tentado provar que a vida imita a arte. Há rumores de que na Guerra Fria tanto os USA quando a URSS estudaram fenômenos paranormais para tentar usá-los militarmente.
Essas histórias inspiraram toda sorte de obra, do clássico Arquivo X ao recente Stranger Things, passando pelo mangá Astral Project e o game Mass Effect.
Se tudo isso parece meio fora da proposta para um anime cyberpunk – ou, como meu colega Diego carinhosamente colocou, “uma bullshit atrás da outra” – pense de novo. Foi justamente na virada do milênio, na mesma época em que a revolução digital sacudia o mundo, que essas ideias tiveram seu grande momento de fama.
Nos anos 1990, o início do Projeto Genoma e a clonagem da ovelha Dolly inspiraram vários pensadores a recalcular os limites do potencial humano. O frisson não se limitou à ciência. Pelo contrário, inspirou até seitas religiosas.
Chamada de transhumanismo, essa visão de mundo pregava o recurso à tecnologia para nos elevar a um novo patamar de existência.
Para os otimistas, isto significava a vitória sobre a velhice, as doenças e os defeitos de nascença. Já para seus críticos, era uma loucura sem tamanho, que acarretaria no domínio biotecnológico dos mais fortes sobre os mais fracos.
Embora genética nos remeta a ciborgues e superhumanos, as profecias mais ousadas foram justamente aquelas que buscavam, tal como Lain, abrir mão do físico.
A possibilidade de que pessoas pudessem ser “software” – nas palavras de Eiri Masami, auto-declarado “Deus do Wired” em Lain – ameaçou virar nosso mundo de ponta cabeça.
Se nosso corpo for apenas um veículo que podemos trocar sempre que quisermos, a própria ideia de “morte” perderá o sentido. É o fim da nossa filosofia, da ética e de nosso próprio entendimento sobre a vida.
“Humanidade” deixaria de existir. O que viesse em seguida seria tão diferente que não pertenceria ao mesmo universo.
Para muitos, isso seria um desastre sem tamanho. Considerando, é claro, que a humanidade já não estivesse perdida desde o começo:
2) Hiperrealidade e Simulacro
Lain eventualmente descobre que o experimento do Prof. Hodgeson foi apropriado pelos Knights of the Eastern Calculus, uma seita de hackers que busca fundir o mundo virtual ao real. Seu “líder” é Eiri Masami, um engenheiro que transplantou sua consciência para um protocolo do Wired.
Apresentando-se como o “Deus do Wired”, Masami quer ajudar a humanidade a se libertar de sua prisão de carne e osso.
Se Lain bate tanto nessa tecla é porque, nos anos 1980 e 1990, isso realmente foi uma histeria. Ao mesmo tempo em que biólogos e futuristas promoviam o transhumanismo, estudiosos da comunicação alertavam que havia um jeito muito mais fácil de sair do real.
Pois o “mundo real” não existia mais.
Para o filósofo Jean Baudrillard, o mundo contemporâneo está tão dominado pelo entretenimento e publicidade que temos dificuldade em separar o que existe do que não existe. Pior: os meios de comunicação se tornaram tão bons em entregar aquilo que queremos enxergar que parecem mais reais do que a própria realidade.
Desde a nossa juventude e cada vez mais cedo, nosso contato com o mundo se dá por meio de uma tela. Cultivamos amizades na web que nunca vimos em carne e osso. Emocionamo-nos com pessoas que não existem em histórias que nunca aconteceram. Conhecemos mais os corpos de estranhos em vídeos pornôs do que de nossos próprios parceiros.
Nessa hiperrealidade, como a chama Baudrillard, as coisas são reduzidas a simulacros: imitações baratas com que nos acostumamos a ponto de ignorar as originais.
No anime de Ueda, a hiperrealidade é a chave para um de seus aspectos mais complicados : as múltiplas identidades de Lain.
Quando começa a se interessar por informática, Lain descobre que existe uma outra “Lain” no Wired, aparentemente dotada de vontade própria. A coisa se complica quando o anime dá a entender que a Lain do Wired surgiu antes da Lain “física” da qual é uma cópia.
Ou será que não? Não seria a Lain de carne e osso uma cópia da Lain virtual? É possível um ser humano se tornar o avatar de seu “eu” virtual? Se não é, porque os pais da garota agem como uma família de faz-de-contas? E seus colegas de escola deixam de enxergá-la?
O “twist” é uma das sequências mais confusas do anime. O próprio Diego o interpreta como um festival de inconsistências e furos de roteiro.
Felizmente, tudo é muito mais simples do que parece. Como a própria Lain nos explica no episódio 12:
Humanos só podem realmente existir na memória de outros humanos. Muitas versões de mim existiam. Não é porque existiam muitas de mim lá fora. Eu só estava dentro de muitas pessoas.
Lain não “existe” de verdade porque, como todo simulacro, sua “realidade” está nos olhos de que vê. Cada um tem seu próprio ponto de vista e cria suas próprias versões das coisas. Para o casal em sua residência, essa versão foi uma filha comportada. Para os Knights e seus fãs, uma deusa da internet.
A percepção da realidade é a própria realidade. Não conhecemos nada do mundo; apenas o que filtramos pelos nossos olhos. Estamos todos presos na caverna de Platão que chamamos de “mente”.
Se a ideia é desesperadora, as suas consequências são ainda mais sérias. Se tudo o que existe é uma cópia criada por nós mesmos, o que nos impede de concebermos as coisas como gostaríamos que fossem, e não como são de verdade? Existiria “verdade” num mundo desses?
Por que não “esquecer” coisas desagradáveis? “Ignorar” picuinhas como as leis da economia e da natureza? “Desconstruir” a sociedade e criar uma utopia alinhada com nossos ideais?
Para Eiri Masami, o “Deus do Wired”, isso é exatamente o que deveríamos fazer. No episódio 10, ele conta a Lain que deseja usar a rede para conectar permanentemente todas as pessoas.
Deixaríamos de ser indivíduos para sermos células de um mesmo organismo. Tal como os geth de Mass Effect ou os cranium rats de Planescape: Torment, nossos “softwares” pessoais seriam unidos por um únido “hardware”.
Um dos pontos inescapáveis da filosofia política é o fato de que o ser humano é egoísta por natureza. Thomas Hobbes, autor de Leviatã, chegou a afirmar que “homens não são abelhas” como justificativa para seu projeto de Estado absoluto.
Um “cérebro global” jogaria todas essas ideias por terra. O mundo de Masami seria a mais perfeita das utopias.
Argumentar que tudo isso é um grande absurdo é perder de vista o mais importante. Lain não é uma defesa de um ponto de vista, mas um retrato de como as pessoas pensavam. E, muito antes de “desconstruções” virarem a seara de militantes de Facebook e professores jurássicos de Humanas, foram uma histeria que prometia revolucionar o mundo.
Quem nos conta é o teórico da mídia Douglas Rushkoff:
“A experiência cibernética empodera pessoas de todas as idades a explorar a nova paisagem digital. Com apenas um PC e um modem, qualquer um pode agora acessar a datasfera. Novas tecnologias de interface como a realidade virtual prometem transformar a datasfera em um lugar onde podemos levar não só nossas mentes, mas também nossos corpos.
As pessoas que você conhecerá agora interpretam o desenvolvimento da datasfera como a formação de um cérebro global. Este será o estágio final no desenvolvimento de “Gaia”, o ser vivo que é a Terra, para o qual humanos servirão como neurônios.”
Douglas Rushkoff é explicitamente mencionado no episódio 9 de Lain. E seu livro-manifesto sobre as possibilidades do virtual inspirou um dos lugares-chave do anime:
3) O fim da utopia digital
Se tudo isso parece bonito no papel, a “realidade”(com o perdão do trocadilho) é bem diferente.
Com o tempo, “profetas” da internet entenderam que o admirável mundo novo que buscavam trazia consigo problemas tão novos, imprevisíveis e complexos quanto suas supostas soluções.
Lançadoo em 1998, Lain é anterior aos maiores choques que abalaram a utopia da internet. A bolha Dot-com, que levou várias companhias do ramo à falência, estouraria entre 1999 e 2001. O Grande Firewall da China, que provou que a internet não estava livre do poder do Estado, foi documentado em 1997, mas só tomou força nos anos 2000.
Um dos motivos que fazem de Lain genial é que não se esquiva de antecipar essas agonias. Em um dos primeiros episódios, crianças começam a morrer devido a um jogo virtual claramente inspirado pelos FPSs da Id Software. Os mesmos que, um ano depois, seriam implicados como causa do Massacre de Columbine.
Já Arisu, amiga de Lain, tem a consciência “hackeada” pela colega enquanto se masturba fantasiando com o professor. O episódio fala mais alto hoje do que em 1998, após o advento das câmeras digitais e da banda larga ter levado à proliferação de nudes e do revenge porn.
Ao mesmo tempo em que divulga sua utopia digital, Lain nos mostra o seu lado mais sombrio. Um mundo interconectado, sem solidão ou egoísmo, é um mundo sem privacidade – ou pior, sem individualidade. O “Deus do Wired” é um “deus” em mais de um sentido: em um “cérebro global”, somos todos escravos da vontade da web.
Se a série não é explícita sobre isso, é porque faz uso de um dos mais antigos truques do repertório: o “show, don’t tell“.
Ao longo do anime, momentos dramáticos são justapostos com tomadas de cabos de energia e sombras com manchas estranhas. A trilha sonora quase inexistente consiste em zumbidos de eletricidade.
Quando Mika, a irmã de Lain, é puxada para o mundo virtual, sua “casca” humana se transforma num modem, produzindo ruídos de internet discada.
No mundo dos humanos, o Wired reina soberano. Não é a toa que hackers como os Knights buscam controlá-lo. Nem que seus inimigos – como o líder dos misteriosos Homens de Preto – parecem disputar seus planos megalomaníacos.
Conclusão
O escritor e ganhador do Pulitzer Adam Johnson certa vez disse numa entrevista:
O que me parece falso é quando romances embelezam tanto o seu assunto que tudo pode ser articulado com o mesmo tom modulado. (…) Para um autor de ficção, como [as histórias] são escritas é tão importante quando o que elas contêm. (…) O maior erro teria sido forçar [minha] história às expectativas de um leitor ocidental – você, sabe, aquela coisa bonitinha de começo, meio e fim.
A experiência humana não cabe em uma única história, e cada história exige uma forma diferente.
O “mundo sem Deus” da modernidade fez com que a epopéia desse lugar ao romance. Os horrores da Primeira Guerra Mundial – e toda a loucura que os precederam – levaram artistas de toda sorte a abandonarem o figurativismo e os preceitos da academia.
Às vésperas do ano 2000, uma outra era parecia estar por chegar. Um período confuso, em que ideologias caíam por terra, bugs do milênio ameaçavam nosso bem estar e a Lei de Moore entrava no vocabulário popular.
Uma época em que a tecnologia crescia por todos os cantos, e começavamos a duvidar se estávamos mesmo no comando.
A narrativa desconjuntada de Lain e de outras obras parecidas foi uma das respostas a essa percepção. Na ficção pós-moderna, como veio a ser chamada, o questionamento da realidade exterior se tornou um verdadeiro espírito de nossos tempos.
Lain não é um anime perfeito. Sua overdose visual vai além do que seus valores de produção permitiam entregar. Algumas de suas referências (como as ao Incidente de Roswell) soam gratuitas. Suas tramas secundárias apresentam erros de continuidade.
Uma joia imperfeita, Lain mesmo assim fala mais alto do que muitas obras-primas. Em uma mídia formulaica e escapista, Ueda e sua equipe traduziram as apreensões de uma geração que foi contra a própria ideia de fórmulas, para a qual “escapismo” significava não fugir, mas mergulhar no cerne da escuridão humana.
Como eu não canso de dizer, anime também é cultura.
Assisti o anime tem um mês mais ou menos e senti que entendi muito pouco do que a história tinha a oferecer. E mesmo assim fiquei fascinada.
Talvez minha dificuldade tenha vindo do fato de eu não ser uma pessoa muito familiarizada com filosofia e eu acho realmente que o anime é muito mais sobre como nos relacionamos com a sociedade e com a gente mesmo do que uma idéia superficial da relação homem X Internet.
Gosto particularmente das cenas quase que teatrais, como no episódio chamado Rumors (não lembro o número, mas é o que ela entra na consciência da Arisu, o episódio que eu mais gostei inclusive), que tem uma cena com várias bocas falando coisas sobre a Lain. Meio Alice no País das maravilhas, uma liberdade e uma licença poética que me encantaram muito. O mesmo na cena em que aparecem várias Lain, no fim da história.
E concordo com seu trecho destacado, pra mim o anime vale nem que seja pela cena que ela diz que existe uma personalidade e uma Lain diferente na memória de cada pessoa.
Aliás, seu texto me ajudou muito a pegar alguns detalhes da história que eu tinha deixado passar. 🙂
Com certeza. Lain vai muito além de uma simples reflexão sobre a Internet. Não é a toa que continua um clássico, mesmo depois de suas profecias terem sido superadas.
Você tem certeza de que as profecias foram superadas? Lembre-se do que Lain disse: “Memórias não remetem apenas o passado, elas podem remeter o agora ou o amanhã.” A internet e a tecnologia só crescem, muita coisa ainda está pra acontecer. Aguarde e verá.
Toda época tem suas profecias. Elon Musk está aí de prova. Mas as profecias específicas que Lain cita já foram quase todas criticadas de lá para cá (o que não significa que tenham sumido de todo. Estas coisas nunca somem).
Lembrando que “profecia” é diferente de “previsão”. Geralmente, carrega toda uma visão de mundo, quando não um projeto de engenharia social. As da época de Lain estavam mais focadas no tranahumanismo. As contemporâneas amiúde se fiam em alguma utopia globalista.
A série em alguns pontos também parece afirmar que a possibilidade de existência está diretamente ligada a existência física: pertencer a um corpo e suas sensações, mesmo que estas não sejam confiáveis, ainda sim é o primeiro instrumento de contato – acho que quem diz isso é o Schopenhauer. É no contato corporal com a Arisa que Lain parece nos últimos eps. sair de seu estado alienado e apático (com uma estranha e triste semelhança do internauta viciado contemporâneo). Os cabos, a família, o deus, as amizades, o que faz a verdadeira conexão? No reencontro final entre Lain e Arisa, esta ultima já adulta, Lain parece ter aceito a condição imperfeita e dolorosa da existência, da qual ela sempre tentou fugir, dando preferência à Wired onde conseguia agir de maneira mais assertiva e expansiva. Deixando sua amiga partir com o namorado, sem explicar quem ela é, ou tentar segurá-la, Lain parece ter criado, diferente dos demais até o dado ponto uma verdadeira conexão paradoxal, foi no não existir que um valoroso laço parece ter surgido. Não sei o quanto a balança pesa para o trágico ou para o sublime…
ótimo Review, de verdade. Dificil achar alguem com essa maturidade nas comunidades brasileiras de animes e mangás
Abraços.
Nunca mais tento explicar esse anime e o quanto ele é foda.
Vou passar direito o link para a pessoa xD
Eu assisti ele na minha adolescência e fiquei fascinada do quanto ele era interessante.
A perspectiva de enxergar um mundo que não é como o nosso mundo.
Cara, que artigo fantástico, que tópicos e ideias bem referidas e expostas. Me abriu um leque de questionamentos e minha visão sobre os conceitos e referências sobre o anime. Realmente, este anime é de causar uma crise existencial profunda… com questões tão contemporâneas quanto exposta na época de sua publicação; Uma profecia!
Texto fantástico, só discordo de que o anime envelheceu mal. Eu ainda penso que é muito atual, é só ver o frisson das pessoas por Black Mirror, uma série que aborda muitos temas que Lain abordou décadas antes.
Nossa, parabéns!
Eu tinha entendido em partes o anime, mas a sua reflexão profunda e com tanta propriedade me fez repensar, dando um outro lado de compreensão, e complementou naquilo que pensávamos igual.
Excelente texto! Apenas faltou citar as referências à trilogia do Sprawl, clássico sci-fi cyber punk escrito por William Gibson e dividido em 3 livros: Neuromancer, Count Zero e MonaLisa Overdrive.
Poderia referir-se ao solipsismo na obra não apenas como uma corrente de um idealismo extremo filosófico porém como a negação da consciência alheia e externa a um dado indivíduo.
Interessante. Vi o anime a muito tempo, algo como 8 meses atrás ou mais.
Quando eu assistia lain, o unico pensamento que corria pela minha cabeça era a junção (ainda que falha) de juntar as peças para entender o que acontecia. Meu maior problema com relação à lain eh justamente a maneira de contar a sua história, que segundo esse post, tem grandíssima profundidade intelectual, mas dá tão pouca atenção à tornar as coisas entendíveis. Do epiśodio 1 ao 13 tudo o que acontece se parece para mim como experimentos (no sentido de pegadinha) na tentativa de formular um show com gente que aplaude o resultado aleatório produzido.
Pouca coisa se faz entendível, e o show poderia ter sido diferente… talvez seguir com uma estrutura narrativa mais tradicional e ainda inserir os temas chave da história.
Pra mim a pior parte eh essa sensação que fica de não poder criticar um classico por não ter gostado e ver a comunidade elogiando.
Acabei de assistir… É incrível a imersão deste mundo com tantas mensagens para se refletir em apenas 13 episódios… Ainda que soe confuso durante a trama, no final ainda se é possível refletir em pelo menos um ou dois pontos… É um anime para se assistir várias vezes e ir absorvendo alguma coisa nova a cada vez que terminar de assistir…
Lain é do Yasuyuki Ueda. Yoshitoshi Abe foi um character designer e quem fez o mangá
Obrigado pela correção!
Bom dia colegas e fãs desse grande anime!
Achei esse post por acaso na web, após ter assistido a fantástica obra prima que é ‘Lain’. Confesso até que demorei pra fazer esse comentário, pois eu não sou muito afeto ao social no mundo digital, então relutei um pouco antes de fazer esse comentário.
Primeiramente eu gostaria de elogiar o autor do texto, que conseguiu vislumbrar vários pontos que eu mesmo não tinha me apercebido originalmente quando vi o anime, como a questão do jogo virtual que mata as pessoas no início do Anime bem como o momento histórico em que ele foi feito (revoluções tecnológicas na internet a mil). Seu texto aliás, foi o que me motivou a fazer esse comentário/review em primeiro lugar. Não sei se ele ou os outros lerão meu grande texto, mas de todo modo gostaria de deixa-lo gravado aqui, não só porque o autor fez um belíssimo trabalho com seu review, como também porque vários usuários deixaram seus comentários – revelando que Lain ainda pode ser impactante mesmo no ano de 2019.
1. BREVE INTRODUÇÃO
Acho que, diferente dos demais, não tive dificuldade em entender Lain. E isso porque sempre fui fã de cyberpunk. Aliás, o tema não era tão novo assim lá pelos anos de 98, quase virada de milênio. Basta lembrar que Willian Gibson e Bruce Sterling – dois dos grandes expoentes da literatura cyberpunk – já há muito, em meados dos anos 80 tratavam de vários assuntos comuns ao gênero, como por exemplo o transumanismo, que seria provavelmente um dos maiores focos desse tipo de literatura. Transumanismo tem tudo a ver com Lain, e já vou chegar lá. Por ora, podemos lembrar que no Livro três da trilogia do Sprawl de Willian Gibson (Count Zero), um dos personagens se mescla com a internet, com a rede, deixando seu corpo físico de lado e nunca mais acordando, permanecendo num estado eterno de coma.
Essas temáticas de cyberpunk serviram a diversos jogos e outros autores. Popularmente temos hoje difundida a série Altered Carbon da netflix, que bebeu na fonte dos autores dos anos 80; jogos como o citado Deus Ex, Shadowrun e tantos outros.
Por que eu citei tudo isso antes de falar de Lain? Porque temos de contextualizar.
2. LAIN: TRANSUMANISMO E INDIVIDUALIDADE
Contextualizar porque, apesar desses temas não serem exatamente novos, inclusive sendo tratados por outros animes como Akira e Ghost in The Shell, Lain tem uma percepção um pouco diferente. Vejamos.
Normalmente estamos acostumados a ver no cyberpunk o ‘humano que se mescla com a máquina’. A ideia de deixar o corpo físico, plugando somente o cérebro direto na máquina, isto é, seria possível guardar todas nossas memórias, tudo que nós somos, diretamente numa máquina, sem a necessidade do corpo físico? Isso é uma parte do Transumanismo, que prega a evolução máxima do ser humano através das novas tecnologias. Em um jogo chamado Xenosaga, um dos personagens é um androide chamado Ziggurat, mas ele na realidade substituiu todas as partes do seu corpo por máquina, então, fica a pergunta: o que nos define como humanos, afinal, se tudo que somos é composto de peças artificiais? Deixo a pergunta sem resposta.
mas bem, o ponto é: no que Lain é diferente do transumanismo que estamos acostumados a ver? Lain também aborda essa questão do transumanismo, naturalmente, a ideia de nos conectarmos diretamente através de uma rede maior, certo? Sim, correto. Porém, Lain tem um diferencial crucial: Lain parte da premissa que um mero Software, um simulacro, um homunculo se torna uma pessoa, que passa a experimentar diversas sensações que a rigor não poderiam ser experimentadas sem um corpo físico. Lain é em certo ponto um transumanismo às avessas, a meu ver, e é isso que é tão lindo sobre a série, e ao mesmo tempo tão melancólico, como é o seu final.
3. PEQUENO REVIEW/ANÁLISE DO FINAL
Falando em melancolia, passo a um rápido review sobre a série. Ela começa com uma abertura absurdamente triste e melancólica. É sério, eu fiquei depre uns três dias depois de ver a série. Essa abertura é propositadamente melancólica, pois ela nos faz questionar o nosso conceito de individualidade.
Vejamos, Lain é uma garota de 14 anos, introvertida e com uma família desestruturada. Lain começa a se conectar na “Wired”, um mundo que contempla o que hoje seria a internet. A Wired é palco de acontecimentos sinistros e distintos, e a barreira entre o mundo real e a Wired é pouco a pouco quebrado na série, até o ponto em que ela se quebra de fato.
Lain, na realidade, é um software, um programa, criado pelo idealizador da ideia da interconexão global entre a “Wired” e o mundo real, Eri Masami. Essa descoberta não chega a ser exatamente impactante.
O que impacta aqui é que a Lain do Wired pode ser vista como uma Lain ‘típica’, isto é, um mero programa, controlando as ações dos demais, idealizando a ideia do seu criador, enquanto a Lain criança, a Lain do mundo real, é alguém que busca descobrir sua própria identidade, e experimenta sentimentos e emoções.
Esse é o ponto chave de Lain. E é aí que entra de verdade a melancolia. Pensamos no transumanismo como uma forma do HUMANO ascender ao posto de máquina, de se conectar com a máquina, mas não pensamos no ponto da máquina se tornar, ao menos em parte, humana. Lain é uma (não tão clara) alusão a uma Super Inteligencia artificial que por alguma forma conseguiu escapar ao mundo real e adotar um corpo, um simulacro. Seu corpo é frio, mas ela sente igual o ser humano. É por isso que o final de Lain é impactante, pois é Alice (Arisu) quem a faz perceber que ela é humana, quando tudo parece irremediavelmente perdido.
Lain é a verdadeira deusa – da realidade como a conheciamos e do Wired – e é por isso que, após as barreiras dos dois m undos se quebrarem em definitivo, ela consegue anular Masami e reverter o mundo do jeito que era antes, pois ela possui o domínio de ambos. Todavia, ela se sente sozinha. E é isso que é dramático: é difícil imaginar um mero robô, um simulacro se sentindo sozinho, não é? Um programa, uma inteligencia artificial. Mas Lain adquiriu corpo físico, e isso implica que ela não quer completar a conexão final e se conectar com sua amiga Arisu. Ela reluta, ela diz que Arisu foi sua única e verdadeira amiga. Lain, um mero programa, aprendeu o sentimento humano? É exatamente isso que da a entender.
Lain, sendo uma deusa, reverte tudo ao status original, onde ninguém morre por conta das atitudes desenfreadas da Lain do Wired, pois agora ela é Una, mais do que antes, pois, a meu ver, embora ela tenha revertido tudo ao status originário, ela meramente apagou da memória das pessoas os eventos, e pra ela não existe passado, presente ou futuro, pois isso é relativo para um ser Onisciente e Onipresente, até mesmo irrelevante. Por isso ela num piscar de olhos avança ao que veríamos como ‘futuro’, onde Arisu está feliz e com seu esposo, fazendo compras.
Lain é uma deusa onipresente e onisciente que deixou a possibilidade de conectar tudo e a todos e passou a fazer como um deus: apenas observar as coisas. Mas Lain ainda se sente sozinha de certa forma, e esse é o preço que ela paga por querer ‘acertar as coisas’, não só pra Arisu, mas pra todos envolvidos com ela. Daí a melancolia da música de abertura. Pois no final, ninguém lembra dela – porque ela mesmo quis, já que é uma deusa – mas como ela ainda guarda seus sentimentos quando tinha corpo e forma humana, Lain estará fadada a sempre existir em qualquer ‘tempo’ (passado, presente, futuro), sem que ninguém se lembre dela, daí a magnitude e expressões máxima da melancolia e beleza que Lain representa.
4. CONCLUSÃO E CONEXÃO: RESSONANCIA SCHUMANN
Por fim, eu gostaria de concluir que Lain aborda essa temática interessante do incosciente coletivo (um repositório, segundo Carl Jung, onde as memórias ancestrais de nossos antepassados adormecem, porém, inacessível conscientimente, o que permite nossa evolução constante), bem como a ideia da Ressonancia Schumann que seria, a grosso modo (não vou entrar em detalhes), uma ressonância ‘correta’, uma vibração ‘correta’ do planeta Terra.
Muitas pessoas acreditam que nosso planeta ‘vibra’ numa frequencia errada, que não é a correta, o que implecaria em maiores guerras, homícidios e toda sorte de coisas ruins. A ideia, portanto, de se reconectar a nível global, de ‘alinhar’ a frequencia da terra, implicaria para Lain, um retorno às origens e uma supressão do que conhecemos como ‘individualidade’, já que todos seriam parte do todo, e a barreira entre o real e o virtual seria quebrada.
Se transpusermos para os dias de hoje, veremos que cada vez mais as pessoas estão mais e mais conectadas pela internet, e por vezes o próprio conhecimento é amplamente difundido e mesclado na mente das pessoas de forma objetiva, sucinta, direta e de fácil compreensão. Do que eu estou falando? Dos ‘memes’ é claro. Um meme é um conhecimento ínfimo, normalmente uma crítica ou troça a respeito de um assunto, consolidado em poucas palavras ou em uma imagem, e as pessoas costumeiramente aceitam eles como verdade. Ditos populares ‘enraízados’ na população de certos países podem também ser considerados conhecimento parco e global, como por exemplo: Bandido bom é bandido morto, que implica num necessário reducionismo do problema. Vamos reduzindo o conhecimento, a problemática, porque é ‘trabalhoso demais’ pensar, e isso implica numa conexão invariável com milhares de pessoas em diversas partes do mundo, por um simples Meme, por uma simples frase que por vezes não representa a realidade.
Poderia escrever mais e mais sobre o tema, mas eu confesso que acho que está maçante do jeito que está, e parabenizo a quem for ler até o final (se é que alguém vá ler haha), e deixo meu e-mail para contatos caso alguém se interesse em discutir qualquer coisa que envolva cyberpunk ([email protected]).
Muito obrigado e até a próxima!
Olá Vinicius,
Muito obrigado por compartilhar seus pensamentos conosco. É reconfortante saber que Lain ainda inspira tanto entusiasmo, mesmo depois de tanto tempo.
Se me permite um conselho, eu sugiro que você faça desse comentário – e de eventuais outros – um artigo de blog, propriamente dito. Suas palavras alcançariam um público muito mais amplo desta forma.
O Medium talvez seja uma plataforma interessante para o tipo de texto que você escreve. Do contrário, eu mesmo teria prazer em hospedar um ensaio do tipo aqui no Finisgeekis.
Cara, adorei seu texto, li ele por inteiro, tanto essa publicação quanto o seu texto me fizeram enxergar ainda mais sobre o que Lain tem a oferecer.
O cara fez o melhor texto sobre Lain e desapareceu, sensacional cara que isso
Olá Vitor.
Muito obrigado! Fico lisonjeado que tenha curtido.
Eu ando muito ocupado com meu trabalho acadêmico, por isso não dei atenção ao blog nesse último ano. Mas eu pretendo voltar a escrever para ele quando a poeira baixar. Inscreva-se na lista de e-mails, caso ainda não o tenha feito, daí você receberá notificação quando um novo texto for lançado.
Alternativamente, o blog tem um perfil no Instagram também.
Eu ainda fiquei com dúvidas em relação à forma como as coisas são apresentadas. No final, dá impressão que muita coisa ficou avulsa e perdida durante a narrativa. É como se o anime apresentasse um assunto que seria importante, mas nunca mais volta a falar daquilo. Me ajudem a entender. O que seria aquela pílula que parece um chip, utilizada como droga? (que levou o cara a matar 2 pessoas no Cyberia e depois se matar quando a Lain falou com ele). O que seria aquele jogo que as crianças jogavam (esqueci o nome) e aí algumas morriam? (Aparecia uma menininha atrás deles, e depois eles morriam). Por que a Lain viu um ET no quarto dela, e depois a Arisu viu o ET também, mas a cabeça era da Lain? O que seria aquele processador superpotente que a Lain instala no computador dela no começo? O que seria a “profecia” que deveria ser cumprida (mensagem que ficou aparecendo pra irmã da Lain)? Por que umas crianças ficavam erguendo a mão pro céu, e de repente apareceu a imagem da Lain nas nuvens? Por que a irmã da Lain foi sugada pela Wired, e depois que viu ela mesma em casa, ficou louca, fazendo barulho de telefone? Quem eram os “pais” da Lain, qual a função deles além de fingir que a Lain era filha deles (já que Lain era supostamente um software)? Por que no final a Lain aparece sentada numa mesa flutuando com o “pai” dela, e têm aquela conversa estranha? No final fiquei na dúvida se Lain era realmente um software e criada pelo Eiri, ou se ela já existia desde a criação da Wired, sendo na verdade uma existência independente do Eiri (já que no final ela se apagou da memória de todos e continuou “viva”, mesmo o Eiri não se “lembrando” dela). Provavelmente tem mais coisas que me deixaram confusos, mas que eu não lembro agora. Por hora é isso. Obrigado.
Todos que comentaram neste artigo, e o próprio autor do artigo, irão morrer um dia. Se não já morreram alguns. Será que alguém vai ler isso daqui a cerca de mil anos? Às vezes me pego fazendo perguntas deste tipo. Será que eu sou Lain? Quem é você? Eu sou você? Você é alguém? Você sou eu? Você é Lain? Nos tornaremos um, algum dia. Até lá senhores.
Nós ainda lemos os grafites de Pompeia, que tem quase dois mil anos.
Se as pessoas do futuro acharem que esse artigo é um artefato cultural digno de preservação, então sim, eu diria que é possível.
Eu acredito que o espectro de questionamento é ligeiramente mais amplo.
Do ponto de vista exclusivamente histórico, sim, concordo. Mas estamos no ‘futuro’, na tecnologia pura. Conceitos como ‘nuvem’ e ‘big data’ não existiam há 2000 mil anos atrás nem há 1000 nem há 500, são coisas recentíssimas, e permitem ‘guardar’ quantidades excessivas de informação, para que nunca sejam perdidas.
Exemplo? The internet archive, um arquivo gigantesco de páginas (acredito eu que a maioria mortas) que ‘espelham’ a internet dos velhos tempos. Páginas que hoje não existem mais podem lá ser encontradas, ou apenas uma ‘imagem’ daquela página. A informação existe e é guardada e armazenada em vários servidores ao redor do mundo.
jogos dos anos 80 são até hoje disponibilizados em sites retro, o mesmo para animes e filmes dos anos 50. A internet é ilimitada, a rede é ilimitada, o que basicamente e numa singelíssima redução de LAIN, é em partes representado por esse anime.
Daqui há 100 anos nossa tecnologia terá evoluído, mas nossos dados pessoais, nossos comentários, nossa declaração de IR, nossas transações bancárias, tudo ficará armazenado em algum banco de dados – público ou privado – por um espaço de tempo que pode durar alguns anos ou até o fim da civilização.
Esse blog não é diferente desses exemplos. Amplie a mente, pois a sociedade é a sociedade da tecnologia.
Lembrem-se também da ficcção: quantos livros desse gênero especialmente nos anos 70 80 (Ursula Le guin, Bruce Sterling, Willian Gibson) não trataram da ‘fusão’ do homem e da máquina? O homem que perde sua consciência e se ‘transmiga’ sendo ‘imortal’ dentro da máquina? O conhecimento condensado num pequeno cérebro se expande por toda a ‘rede’ e se torna ‘um com ela’. Isso é também uma preservação de informações. Embora abstrato, o gênero não só influenciou uma geração como também previu o futuro.
Portanto, tudo que escrevemos ou postamos ou que de alguma forma nos identifique, seja no instagram, em blogs, em redes sociais, etc., tem potencial enorme – dada a época em que vivemos – de estar armazenado em algum lugar de algum servidor e ser assim acessado de alguma forma em algum futuro.
São muitos alguns dos quais eu tenho certeza que (já) são realidade.
De certa forma, pensamos o mesmo que vocês Vinícius (no plural), pois me deparo com os dois neste momento e acredito que sou (somos) os muitos que nos antecederam, que caso fossem “fundidos” de forma mais ativa, como já ocorre, e se aprofundará num futuro talvez próximo de ainda maior cyber-conectividade, poderemos ampliar de forma quase que inimaginável a nossa capacidade de compreensão, e eu diria até, de penetração naquilo que podemos chamar “realidade”; da possibilidade de sua desconstrução, tomando como partida os entendimentos e parâmetros daquilo que chamamos de sociedade na contemporaneidade, a despeito das possibilidades do pensamento materialista histórico, com todas as abstrações possíveis.
Ainda não li as obras de Úrsula Le Guin, Bruce Sterling e Willian Gibson, e apesar de não ter muita simpatia, ou na realidade nenhuma, com aspectos metafísicos do pensamento, algo nos leva a pensar que vim parar aqui para pegar essas dicas e desaprender um pouco com tudo isso. Ora, se o “eu” é múltiplo e o inconsciente coletivo se faz presente de alguma forma, talvez possamos dizer que esta conectividade sempre existiu de alguma forma, porém não no patamar que tem tomado forma da maneira mais atual.
Segundo relatos que nos chegaram, Sidarta Gautama, no século quinto A.C já falava coisas como: somos um só, estamos todos interligados, etc. Se partimos da teoria do Big Bang e tudo mais correlato, passando por Darwin e a sua evolução, etc., talvez seja possível vislumbrar o agora como uma continuidade do que se passou, e o amanhã como continuidade do agora, e neste sentido não existiram nenhum dos dois, nem passado, nem futuro, mas só o tempo presente. A própria ideia de tempo nos parece algo bastante artificial e forçada, caso seja possível admitir que as coisas simplesmente vão mudando de forma, e essa mudança nos leva à falsa sensação que já estamos no “depois”.
Debates deste tipo nos interessam muito – novamente, quando uso pronome plural, estamos falando dos diversos “eus”, pois são quase que raros no espaço da “academia”, pra não falar do nosso cotidiano com nossos próximos, fisicamente ou virtualmente falando. Destarte, não temos como não nos lembrarmos de obras recentes tais como “love, death and robots” no episódio especifico da geladeira, Black mirror, com “san junipero”, e na literatura o capítulo “o delírio” de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que Machado traça o desenvolvimento da humanidade até um “futuro” remoto, em seus ciclos intermináveis, bem como Admirável Mundo Novo, se nos atermos aos aspectos mais tecnológicos da coisa, ou a obra de Herman Hesse, caso queiramos pensar a ideia de uno num sentido mais filosófico-transcendental dos budistas mesmo.
Para Sidarta, sempre fomos, somos e seremos um só, interligados em proporções tanto diminutas, quanto cósmicas. A rede tem nos ligado de forma mais avassaladora, tanto para o “bem” quanto para o considerado “mal”. Na união que se intensifica, pergunto eu, tenderemos para quais destes lados? De uma harmonização virtuosa, que poderia nos permitir continuar enquanto espécie ou a de intensificação da violência sobre tudo aquilo que consideramos como “outro”? Infelizmente, essa última possibilidade parece ter prevalecido em larga escala.
Já viram “Páprika”? “A realidade é que vem da ficção”.
Olá,
Terminei Lain recentemente e gostei muito da sua análise, me ajudou a pegar muitas referências que tinham passado batido.
Me desculpe por ser portador de uma notícia não tão boa…
Além da sua, procurei algumas outras análises sobre Lain. Encontrei um vídeo no YouTube no qual o cara praticamente lê vários trechos da sua resenha, mas não o vi dando crédito algum no vídeo. Eu acho esse tipo de coisa MUITO errada, então me sinto na obrigação de te avisar.
Caro Mensageiro,
Obrigado pelo comentário e pelo aviso. Esse tipo de coisa são ossos do ofício ao se escrever na internet. Tomarei as providências necessárias.
O anime me remeteu a um lado mais emocional. Como vemos no episódio 12 quando a Lain diz que apenas existimos na lembrança de outros, isso me remeteu a maus do século como depressão. Me remete a lembrar do quanto o ser humano inconscientemente depende de contatos sociais, físicos ou não.
cara, pra mim Lain conta a história da menina que se suicidou. Como essa história poderia ter um final diferente se alguém tivesse se importado com ela. Ele mostra pra gente como uma garota vai da normalidade à loucura e comete suicídio. E como na internet pode ter pessoas com más intenções.
Carol, interessante vc pensar assim, pq eu tb já tinha considerado essa possibilidade, dentre inúmeras outras interpretações que já tive (ou já li) sobre SE Lain.
É engraçado pq seu comentário é pequeno e parece simplório, mas se vc assistir toda a série de novo sempre tendo em mente a sua premissa como norte elementar pra compreender tudo, a coisa toda fica bem mais fácil de entender a passa a fazer todo o sentido.
Mas é claro, tem que presumir algo que o autor da série não explicita em momento nenhum, mas que nós sabemos que faz parte do imaginário do povo japonês: a certeza da existência de um mundo espiritual e da vida após a morte. Daí talvez “Lain” possa ser na verdade o alter-ego da alma da suicida, e que estaria se perdendo na sua própria loucura.
Enfim, apenas mais uma possibilidade, apenas mais um PDV, que só serve pra corroborar que SE Lain é uma das coisas mais impressionantes já produzidas pelo gênero humano em todos os tempos, e a masterpiece do nosso zeitgeist.
Não acho que tenha envelhecido mal. O teor das discussões em torno da tal “cibercultura” mudou. Na vida real, wired e realidade efetivamente se misturaram como previsto. Não com o grau de misticismo presente no anime, mas houve sim algo de muito visionário ali. A referência estética pode parecer um pouco deslocada, um pouco sombria ou apocaliptica demais. Mas redes sociais fazem democracias ruir, nossos dados sao monetizados, atentados e execuções são transmitidas e comentadas ao vivo, e tudo o mais. A questão é que nos acostumamos com esse cenário. Parece parte do nosso dia a dia. Lain é relevante hoje para causar estranhamento em torno da realidade que vivemos. Onde o catastrofismo de Lain parece tão fora de moda quanto o sonho romântico de uma aldeia global ou das insurreições populares como uma primavera Árabe, talvez estejamos mais próximos do pesadelo distopico do que da utopia de uma libertação social pela rede. Mas isso não é culpa da internet em si. É culpa de como naturalizamos a violência e a dominação enquanto seres humanos. O problema talvez não seja a falta de limites do virtual, mas as limitações humanas em imaginar e construir um mundo melhor.